Label FM

2008-12-24

"So this is Christmas..."

Finalmente chegamos a esta data, perfumada de arroz doce, filhoses e cuscurões, cheia de embrulhos e de luzinhas de Natal, com a casa cheia de família próxima e distante que se reúne. Lido desta forma parece que ambicionei por esta quadra todos os restantes 364 dias do ano, mas é mentira que o tenha feito. Por mim adiaria o Natal "ad aeternum" só para não registar mais nenhum Natal nas minhas memórias. Os que tive bastar-me-iam para o resto da minha vida. Tive natais felizes, cheios de cores e sabores, natais com toda a família, com sorrisos e palhaçadas. Em criança vibrava com ele, hoje não o suporto, embora tenha que admitir, lá no fundo, que ele tem um significado mais importante do que muitas vezes vemos nele: é no Natal que se reúne a família, que a cozinha se enche de tachos, panelas e frigideiras, em que o frio da rua se esgota com o calor das pessoas e do fogão. Já tive melhores natais do que outros, mas de todos eles guardei muitos sorrisos e gargalhadas.
Somos uma família gigantesca e, se na consoada éramos "apenas" 14, no dia 25 esse número multiplicava-se por, pelo menos, 6 ou 7. Era muita gente reunida! E vivia isso na pele, porque era em casa dos meus pais que se desenrolava esse avolumar de pessoas e de parvoíces, brincadeiras tontas ou registos mais sérios, embora a família toda junta seja uma comédia, raros são os que se queixam e fala-se muita coisa idiota, mesmo para todos se rirem.
Depois passam os anos e as brincadeiras de infância acabaram, vieram os copos, as "parties sem motivo aparente" (esse é mesmo o nome que se dava à coisa) e a vida seguia. Um dia, nem sei explicar onde, nem como ou porquê, o Natal deixou de fazer o mesmo "plim" que fazia, deixou de ser tão emocionante e conquistador, passei a viver uma vida dupla em que as perguntas "quando é que te casas?" me começaram a incomodar e me fui afastando discretamente... Quando vivemos assim, deixamos de nos sentir parte do Natal, porque ele não o é em completo, falta uma pessoa ali, falta a pessoa com quem partilhamos a mesma vida e, por essa pessoa ser do mesmo sexo do que eu, existe a obrigatoriedade de a apresentarmos como "amiga" e uma "amiga" não passa connosco a consoada nem o dia de Natal, até porque ela tem família. Esta duplicidade afastou-me da família e sempre me custou imenso que isso acontecesse, porque se vive em dimensões paralelas, entre o que somos na realidade e o que permitimos que nos conheçam.
O ano passado, pela primeira vez, não compareci à consoada de família e fizémos a nossa consoada própria - a da nossa família - em casa, com os miúdos e a família da J., almocei no dia seguinte, sozinha com a minha família. Mesmo assim senti-me parcelada, porque fiquei com um peso na consciência por não ter jantado com os meus pais, principalmente com a minha mãe. E porque, mais uma vez, senti-me sozinha no almoço de dia 25, a tentar enquadrar-me na minha própria família de sangue... Quem já passou pelo mesmo conseguirá entender isto de que eu falo, é uma sensação de ET que nos atinge, porque em nenhum dos lados vamos sentir plenitude, vai sempre faltar qualquer coisa...
Este ano não temos os miúdos connosco, a casa está quente graças à lareira e aos cães. A minha mãe não vai passar o Natal comigo, não vamos ter mais o cheiro delicioso do arroz doce acabado de fazer e da disputa pelo tacho, para o podermos rapar. Acabaram os 1001 petiscos que lhe saiam das mãos, desapareceu todo o calor que nos unia. Sobra o meu pai, os meus irmãos, cunhados e sobrinhos, sobra uma família cujos elos são cada vez mais ténues e transparentes, onde só me sinto enquadrada juntos dos meus sobrinhos. Mais uma vez vou passar o Natal sozinha, meia perdida e isso revolta-me, porque me custa sentir o que sinto, porque nunca consigo conciliar a realidade de dois mundos, porque a presença da J. me vai fazer falta, como sempre. Logo neste Natal, o mais frio de todos, o mais árido e emocionalmente stressante... Não é para sentirmos isto que existem as relações, creio... assim não faz o mínimo sentido, porque nõa há uma partilha total...
Estou triste, desoladoramente triste, porque precisava, este ano, de forças para iluminar o Natal, para apoiar o meu pai e de calor humano que não o meu, que se extingue em situações destas... É nestas alturas que me questiono porque é que as coisas têm que ser como são... Assim doem mais...

2008-12-22

Espiritus versus Anima

Espírito, já diziam os romanos, é o nosso lado masculino, o lado guerreiro e viril, o inconsequente e ousado, o que vai à luta, apanha e dá tareia, é, numa primeira análise, a nossa primeira esfera pessoal, o lado mais visível, o que é mais tentado e testado.

Alma, é o nosso lado feminino, a emotividade, as sensações, a poesia, a dor e o amor profundos, a que nos dá base e sustenta a nossa existência. Para se chegar a alma passamos por várias peneiras que diferenciam o essencial do acessório.

Ambas coexistem em nós, mulher/homem, acção/sentimento. Ambas fazem parte das pessoas que somos e, em primeira mão, damos a conhecer o nosso espírito guerreiro e orgulhoso, numa última entrega, abrimos as portas da nossa alma a quem é merecedor desse espaço.

A "Ego-sofia" é apenas a filosofia do eu, do ser, da essência, de quem somos e como nos traduzimos perante olhares alheios, da forma como temos a capacidade extraordinária de compatimentarmos a nossa existência e termos diversas facetas, uma multiplicidade de pequenos "eus" que nos permite distinguir quem somos em cada um dos momentos.

Chega uma altura em que nos cansamos desse jogo, mas em que prezamos mais o nosso eu íntimo (a alma) e que damos liberdade criativa ao nosso espírito para estar em todas as situações. Confuso ou não, este é um pensamento a reter: chega uma altura na vida em que aprendemos a seleccionar e a degustar e é importante sentirmos que abrimos essa porta, que avançámos mais um patamar neste ciclo de crescimento.

Cresci e estou curiosa para conhecer qual será a próxima paragem! :)