Label FM

2008-09-26

(.)

Dizermos que a vida nos prepara para tudo é um chavão, um "vox populi" que se desmantela ao mínimo sopro de realidade. A vida não nos prepara para nada, só mesmo para a rotina, o trabalho, o social. As coisas básicas da nossa existência mediana. Podemos acreditar que a nossa alma está lúcida, que o nosso coração está resignado, mas quando as palavras que pensamos (e nunca desejamos ouvir por mais que digamos que sim) são proferidas por outra pessoa, a realidade desmorona-se e o ruído transforma-se num silêncio agudo e inquietante.


Nada nos prepara para a morte de quem amamos. Nada. Nem mesmo a convivência diária com os problemas, as complicações, as dores, os estados clínicos e as progressões da doença. Há sempre um sentimento que não desaparece, o mito de Pandora no seu expoente máximo - libertamos todos os males e virtudes do mundo, mas um fica para sempre guardado na caixa: a esperança.


A esperança é um pau de dois bicos: alimenta-nos com o seu calor, mas atraiçoa-nos perante a realidade. Eleva-nos a alma, para depois assistirmos a uma queda vertiginosa de uma ravina escarpada, onde se esfacela a alma, o nosso eu mais interior. Depois de finda a esperança não nos resta mais nenhuma rede de segurança, como se nós tivéssemos diversos mecanismos de auto-defesa que se vão corrompendo um a um, até que nada sobra. Mas terá a esperança efectivamente uma morte? Sinto que a esperança vai-se tornando transparente, diluída num misto de realidade e eufemismos necessários.


Nada nos prepara para a morte de quem amamos, nem mesmo assistirmos a essa morte diariamente, a um desligamento, a um desaparecimento da pessoa que tínhamos. A morte é má porque mata, mas também porque despedaça quem está em redor, obriga-nos a reavaliar tudo e nada nos prepara para esse exercício desprogramado.


Olho para dentro e tenho um mar triste e negro dentro de mim, pendurado nos ponteiros do relógio que teima em não andar mais devagar, nem mais depressa. Sobram-nos horas, dias, não mais do que isso e a alma é consumida por um fogo aceso e lento, entre a desistência e o medo de como será a vida depois disto.


Perder uma mãe é uma solidão inexplicável. E piora sabendo-a ainda aqui, mas consciente de termos perdido uma guerra a prazo...