Label FM

2008-11-20

Há muito para contar e desabafar destes últimos meses, mas talvez não existam palavras pertinentes e iluminadas suficientes para poderem ser utilizadas de forma legível e com cadência lúcida.
Hoje recordo-me de uma conversa passada há algum tempo, no meio de um dilúvio filosófico, que se gerou com esta pergunta:
Existe diferença entre alma e espírito?
90% das vossas respostas serão de carácter religioso. Preciso que me falem dos outros 10%. Olhem para dentro de vocês e questionem-se: onde está a vossa alma e onde está o vosso espírito? São a mesma coisa ou não? Se não, são complementos ou antogónicos?
É um bom exercício de ego-sofia. Deixo-vos a pensar.

2008-11-18

Arthur, Le Roi!

A Mad falou do Batata e do seu problema de saúde de uma forma que me tocou bastante. Lembrou-me várias estórias, uma delas relativamente recente, a do nosso El-Rei Arthur, um dos nossos 12 cães (todos ex-abandonados).

Penso que já fizeram dois anos desde que o encontrámos a vaguear, completamente à toa, na recta do Autódromo do Estoril, numa noite de Inverno chuvosa. O deambular alertou-nos e resolvemos voltar para trás para ver o que se podia fazer (isto estando nós num carro comercial, sendo que estávamos com 3 cães ao colo a regressarem da tosquia). Quando parei o carro só vi um cãozarrão grande, mesmo grande, cheio de feridas e a pingar sangue no corpo todo. Era uma chaga única. A J. seguiu com o carro, para poder encostar em segurança e eu fiquei com o cão, a tentar estabelecer diálogo do tipo: "Não me vais morder, pois não!?". Ele era mesmo grande! Mas estava tão deformado das feridas que nem dava para entender se era um boxer ou um stafordshier terrier (os primos dos pitbull). A coleira não tinha nenhum contacto, nem nome e lá tentei convencê-lo a acompanhar-me os 200m que nos separavam do carro. Sempre a dar ao rabo lá foi vindo (embora estivesse a usar o cinto das minhas calças como trela), simpático q.b., mas agonizante de dores. Eu estava entre o estado de choque e o desejo de querer tratar dele.

A meio caminho do carro o cãozinho (pequenininho, de 30kgs), simplesmente pára e nada de andar nem para a frente nem para trás. Estava a observar a J., que entretanto se aproximava de nós. Era uma postura indefinida, não conseguia entender o que lhe passava pela cabeça e, convenhamos, ferido ou não, ele tinha uma mandíbulas de impôr todo o respeito! A J. chamou-o: "Ó cão lindo! Vem cá, vem!". A reacção do monstro foi começar a dar ao rabo e quase a arrastar-me com ele! Sem pensarmos abrimos o porta-bagagens e "zuca", cão lá para dentro.

Finda esta 1ª fase chegou a pergunta: "E agora?!". Eram quase 10H da noite e o nosso veterinário não podia atendê-lo... Bom, lá fomos para casa, com o carro todo salpicado de sangue, pois ele não podia mexer nenhuma parte do corpo que o sangue jorrava! Era uma coisa horrível de se ver! Quando chegámos a casa, a função: entrar pelas traseiras, como quem não quer a coisa, guardar os cães dentro de casa e deixar entrar o cão grande no pátio de trás. Tranquei-me com ele no canil (daqueles que tem até vidros duplos, lol!) e cosegui observá-lo de perto... o estado dele era pior do que aquilo que jamais teria imaginado, ele estava num estado completamente miserável, mas não parecia ter sido por causa de lutas de cães, achámos logo que ele teria leishmanhose. Sentei-me no chão do canil, ao lado dele, que olhava para mim com um ar meio indefinido. Comeu, fomos passando betadine e pomada, quilos de pomada, mas o sangue simplesmente não parava! Dentro de casa os cães estavam absolutamente histéricos por saberem que havia um conviva novo, mas não íamos arriscar qualquer tipo de encontro, por isso tratámos dele e barricámos todos em casa até ao dia seguinte.

Ainda mal era dia já estávamos a ir para o veterinário: o sangue continuava a não estancar, eram gotículas constantes que se formavam ao longo do corpo e que iam escorrendo, uma coisa medonha! A J. e eu já tínhamos pensado que este cão teria que ser eutanasiado. Estava num estado elevadíssimo da doença e completamente em sofrimento. Uma coisa que notei foi sempre a sua coragem, nunca gemeu ou chorou quando lhe passávamos os remédios, isso estava a mexer comigo!

No veterinário esteve 3 horas consecutivas em cima de uma maca. Não foi preciso sedá-lo, bastava dar-lhe ordens que ele obedecia (sentava, deitava, dava a pata, andava junto,... tudo!), fez análises a tudo e mais alguma coisa. Diagnóstico: leishanhose, incurável. Probabilidade de se safar: quase nulas. Chip: não tinha. O veterinário disse que não o eutanasiava porque o dono podia aparecer, mas que concordava em absoluto que o grau de sofrimento era dilacerante (um cão tem que ter as plaquetas sanguíneas a 120, no mínimo, ele tinha a 18!!!), perante isto o que fazer? Procurar dar-lhe um fim de vida digno, ele não podia esperar 8 dias para ser reclamado pelo dono, seria cruel demais!

Fomos ao canil da Câmara saber se alguém tinha perguntado por um cão com as características dele, fomos à Associação de Animais Abandonados fazer a mesma pergunta e, quando o viram, a reacção foi a mesma: "Este cão está a sofrer demais, têm que o adormecer!". Nada de sabermos de dono e não havia tempo para andar a procurar. Entrámos na auto-estrada para irmos a um veterinário meu amigo que eu sabia que teria a atitude de lhe poupar o sofrimento. Já eram umas 2H da tarde, e o cão sempre na parte detrás do carro, a sangrar...

A J. ia louca, eu de cabeça perdida e só me deu para desatar a chorar e dizer: "Tadinho, ele também tem direito à vida...", pergunta a J.: "Queres tratar dele?", "Quero". Saímos logo na saída seguinte e voltámos ao veterinário. Nesse dia começou os tratamentos. Hoje olho para trás e ele tinha 1% de hipótese de sobreviver. Já estava a ficar com comprometimento da parte renal, o que pode matar em horas e o próprio tratamento pode ser tão mortífero quanto a doença, quando o estado de evolução já ia tão descontrolado.

O Arthur suportou injecções diárias que eu mesma lhe dava, exames a toda a hora, pachos e pachos de pomadas para ver se conseguíamos cicatrizar as feridas, que só sararam com um daqueles medicamentos "à antiga", do que ardem e matam as células, mas que criam uma barreira para que o sangue páre. Ele sofreu muito, mas foi um rei, sempre deixou fazer tudo! Esteve 1 semana sem conseguir andar, não se mexia, porque começou a ter atroses violentas, mas conseguiu reagir!

Hoje, quem não o acompanhou nessa altura não diz nada, ele está "curado", apesar de continuar a tomar 2 comprimidos diários e de ter algumas pequeninas marcas, porque não lhe voltou a crescer o pêlo, tal era a ferida, uma das orelhas é mais pequena, porque foi caindo. Mas corre, brinca e adora bolas, senta e dá a pata, exige todos os seus mimos e acha que é "pequenino" quando vem para o colo. O Arthur são 40kgs de simpatia e alegria. Olho para ele e sei o que ele pensa, tal como sei que ele sabe o que sinto por ele. Foi uma batalha muito dura mas que, teimosamente, ganhámos!


P.S. - Relativamente à minha mãe o pior confirmou-se. Ficam as memórias intensas e as saudades apertadas e sentidas...